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Um remedinho para a morte.

  • Foto do escritor: Sheila Pontes
    Sheila Pontes
  • 12 de set. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 21 de jan.

Já faz um tempo que eu tenho a oportunidade de atender um número considerável de pessoas em luto. Durante a minha prática, algumas coisas foram me chamando a atenção, e uma delas sem dúvida é a quantidade de prescrições de medicamentos psicotrópicos para quem está vivenciando uma perda por morte. Isso me levou a escrever o meu artigo de conclusão da minha pós graduação sobre o tema.

É muito comum em velórios a prática da automedicação. “Você precisa tomar um calmante. Alguém traz um remedinho ela está chorando muito?” Quem nunca ouviu isso?   Estou me referindo a situações dentro da normalidade, pessoas cardíacas, mulheres grávidas, idosos mais sensíveis podem precisar de prescrição médica neste momento e tudo bem.

Mas, esse não seria o objetivo do velório, poder chorar, dizer as últimas palavras e nos despedir de alguém que jamais veremos novamente? Estar dopado e ser impedido de sentir tudo que podemos naquele momento me parece um pouco cruel.

Eu não sou contra medicamentos, muito pelo contrário, acredito que em algumas situações eles são inclusive necessários. Também não estou dizendo que você deva parar de tomar o seu remédio se estiver em tratamento. Não faça isso!!

O que eu questiono é se realmente todas as pessoas que fazem uso de medicações psicotrópicas de fato necessitam delas. Ou se esta é a única possibilidade terapêutica naquela circunstância.

Também não quero irresponsavelmente dizer que a psicoterapia salva, embora seja sim muito importante para lidar com transtornos psiquiátricos ou emocionais, mas, precisamos no mínimo repensar a forma como enxergamos e lidamos com os problemas da vida.

Vivemos na sociedade das aparências, onde aquilo que não é agradável é empurrado pra debaixo do tapete. Não consideramos mais como normais emoções que são inerentes ao ser humano, não temos mais tempo para sofrer, para chorar.

Se você é um pai de família que perdeu o emprego é claro que você ficará triste e preocupado com o sustento dos seus filhos; se você é um estudante que foi muito mal em uma prova que precisava de nota, muito possivelmente se sentirá frustrado; se você era uma pessoa que amava o seu companheiro e ele foi embora, existirá um período em que sofrerá muito a falta dele; se você é alguém que perdeu uma pessoa querida por morte, também ficará um tempo em luto, triste, choroso, desanimado, introspectivo, impaciente.

Todos nós precisamos de tempo para nos recuperarmos de determinadas situações, não somos máquinas com botão de reiniciar. Entretanto, nas últimas décadas temos considerado condições normais de sofrimento simplesmente como inadmissíveis, tem sempre um medicamento para curar tudo.

Quando perdemos alguém ou alguma coisa vivenciamos um luto que precisa de um mínimo de tempo para ser elaborado, vivenciado e até compartilhado com os mais próximos. O problema é que não queremos esperar, queremos ser felizes e produtivos agora.

A dor, a frustração e o sofrimento fazem parte da vida, e em algum momento irão acontecer, não está sob o nosso controle. Precisamos falar sobre isso desde cedo, sermos autorizados pela nossa família a expressar as emoções podendo chorar livremente sem repreensão ou julgamento.

Freud já dizia em seu texto Luto e Melancolia (1915[1917]) que o luto não deveria ser tratado como uma doença, e que normalmente, a maioria das pessoas conseguiam passar por esse período retomando as suas vidas com o tempo, depois de sofrer pela perda. Um bom remédio para o luto é compreensão e paciência.

 
 
 

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